quarta-feira, 22 de abril de 2009

América Latina “exporta” Chagas para primeiro mundo


A doença de Chagas, descoberta pelo cientista brasileiro Carlos Chagas há cem anos no interior de Minas Gerais, além de não ter sido erradicada até hoje da América Latina – (maior região afetada até agora, com cerca de 12 milhões de pessoas infectadas) - já foi “exportada” para os Estados Unidos e Canadá. Imigrantes contaminados levaram o problema também para o Japão e alguns países da Europa.

Estados Unidos e Canadá começam a se preocupar com as diversas formas de controle e tratamento dessa doença: além de causar mau funcionamento do esôfago e intestino, provoca problemas cardíacos severos. Tanto que o cardiologista José Antônio Marin Neto, Professor Titular do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, e Diretor da Unidade de Cardiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas - mantém contacto constante com cientistas norte-americanos e canadenses.

O cientista, vencedor de dois prêmios Jabuti, por livros escritos em colaboração com outros autores e publicados pela Sociedade de Cardiologia de São Paulo, tem preocupação especial com esse problema de saúde que faz parte da lista das moléstias que afetam especialmente os mais pobres e são historicamente negligenciadas. As estimativas mais conservadoras de prevalência de moléstia de Chagas , segundo o especialista , são de que entre 4 a 6 milhões de brasileiros têm a doença e de que na América do Sul esse número oscila de 11 a 12 milhões de pessoas .

Imigração leva doença
Nos Estados Unidos, de acordo com levantamentos indiretos, a estimativa é que existam entre 100 a 120 mil portadores da Moléstia de Chagas, oriundos de imigração de países latino-americanos, entre os quais o Brasil, onde a doença é crônica .
- Na verdade já foram descritos não mais do que meia dúzia de casos da doença contraída dentro dos Estados Unidos. O inseto transmissor vive em áreas restritas, infectando animais selvagens, com difíceis condições de relacionamento humano, o que não facilita a transmissão.

O alarme foi dado quando se verificou que a doença estava se espalhando também pela doação de órgãos e nas transfusões de sangue - neste último caso, estimativas em 17 estados norte-americanos, mostravam uma contaminação a cada 25000 doações. Já em regiões mais densamente habitadas por imigrantes latino-americanos, como a baixa Califórnia, essas cifras eram ainda mais alarmantes: um doador infectado a cada 2000 doações de sangue.

Antes dessas informações, o exame de sangue para Chagas não era solicitado naquele país.

- Depois de duas reuniões a que fomos convidados a participar, com outro pesquisador brasileiro, Dr. Anis Rassi Jr, de Goiänia, junto ao órgão que controla a transmissão de doenças nos Estados Unidos, sediado em Atlanta – o CDC – o órgão controlador geral de saúde dos Estados Unidos, o FDA, desde dezembro de 2006, instituiu a obrigatoriedade da detecção da doença de Chagas em exames de pessoas que vão doar sangue ou órgãos. É uma determinação federal extensiva a todo o território americano.
Também resultou dessas duas reuniões uma verdadeira cartilha, publicada no Jornal da Associação Médica Americana (JAMA) em 2007, contendo normas e instruções para os médicos norte-americanos.

Investimentos
Existe expectativa de que esse problema possa atrair investimentos norte-americanos para pesquisas – dificuldade que afeta os cientistas da área.

- Há algumas iniciativas em andamento – e pode-se notar isso através das publicações e mais interesse dos órgãos de divulgação de Ciência nos Estados Unidos, observou Marin-Neto. Também cresceu o número de intercâmbios entre investigadores daquele país e pesquisadores brasileiros .

A moléstia de Chagas , por ser uma doença de paises relativamente subdesenvolvidos - América do Sul como um todo - e afetar principalmente a camada mais excluída da população - é negligenciada em todos os níveis, segundo o pesquisador.
Os únicos remédios usados para o tratamento da doença de Chagas em todo o mundo, por exemplo, (nifurtimox e benzonidazol) foram produzidos quatro décadas atrás . Os dois têm efeitos colaterais, não têm rendimento considerado adequado e um deles (nifurtimox) nem é mais fabricado no Brasil.

Novos casos na Amazônia
O número de casos agudos da doença no país foi bastante reduzido, mas não ainda de forma completa. Segundo dados da Fundação Fio Cruz, divulgados pelo Cremesp, nos últimos cinco anos surgiram de 50 a 100 novos casos da doença no país, a maioria na região Amazônica . Também existem, por exemplo, no sul da Bahia e norte de Minas , áreas que ainda não tiveram controle vetorial inteiramente efetivado.

A doença provoca quatro mil mortes por ano, matando mais do que AIDS e dengue, por exemplo.

- Há um perigo em potencial, de que a doença de Chagas, dominada em boa parte do território nacional, recrudesça novamente num território como o da Amazonas, em conseqüência do desflorestamento indiscriminado - alerta o pesquisador José Antônio Marin-Neto.

Doença foi descoberta por acaso em Lassance
Pouca gente sabe que Carlos Ribeiro Justiniano Chagas - cientista brasileiro reverenciado nos meios científicos, lembrado pela população em geral em razão da doença que leva seu nome – descobriu sozinho todo o ciclo dessa doença: o vetor ( “ barbeiro” ), o seu agente causal ( Tripanossoma batizado de cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz), o reservatório do parasito (em um gato) e finalmente no ser humano (na menina Berenice) - um feito sem similar na história da Medicina..

Carlos Chagas, indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel, nasceu há 129 anos no município de Oliveira, Minas Gerais , estado onde identificou por acaso, na cidade de Lassance, entre 1908 e 1909, uma nova doença já disseminada pela zona rural de todo o país.

“Ele não só descobriu a Doença de Chagas, como foi o primeiro cientista a mostrar a importância dos mosquitos domésticos na transmissão da malária e a defender a teoria de o impaludismo ser moléstia domiciliar”, lembra o parasitologista Milton Carneiro, em seu livro “ História da Doença de Chagas” onde considera o cientista, “a figura mais fascinante entre os sábios brasileiros”.

Já o médico e escritor Pedro Nava assinala em artigo que Carlos Chagas dotou a cidade do Rio de Janeiro de três hospitais, realizou campanhas de profilaxia contra a ancilostomose, a malária, a lepra; executou trabalhos de saneamento no Amazonas e na Serra do Mar e criou a enfermagem técnica e os cursos de Saúde Pública no país.

O acaso
Carlos Chagas saiu do Rio, a pedido de Oswaldo Cruz, para controlar um surto de malária no norte de Minas. Os trabalhadores estavam construindo um trecho da estrada de Ferro da Central do Brasil em Lassance. O médico se alojou em um vagão ferroviário, transformado em laboratório e. atendia os doentes em um ambulatório improvisado no alpendre de uma casa abandonada. Um engenheiro da ferrovia chamou a atenção dele para um inseto conhecido como “chupão” ou “barbeiro”, porque se alimenta de sangue e pica o rosto das pessoas à noite.

O cientista examinou o inseto, entre outros que capturava nas horas vagas e encontrou um protozoário diferente. Ele verificou o mesmo parasito no sangue de uma criança febril, a menina Berenice. Apesar de infectada desde a infância, Berenice não desenvolveu a doença e morreu aos 63 anos de idade. Ela foi o exemplo mais conhecido do enigma que até hoje desafia os pesquisadores: por que algumas pessoas desenvolvem a doença e outras não?

Pesquisa quer desvendar enigma
Uma pesquisa internacional em andamento há quatro anos em 40 centros montados no Brasil, Argentina e Colômbia deverá ser ampliada com outras equipes na Venezuela, Bolívia e Paraguai. O estudo, segundo o professor José Antônio Marin-Neto – um dos dois coordenadores internacionais do projeto, junto com o Dr.Carlos Morillo, do Canadá, – deve continuar por mais quatro anos, com o objetivo de determinar se ao eliminar do organismo o parasito responsável pela doença - Tripanossoma cruzi – a pessoa com a forma crônica da moléstia, se beneficiará ou não desse fato.

- Essa possibilidade é fundamental e, por mais estranho que pareça, ainda não foi testada até hoje, em pessoas que já desenvolveram as complicações cardíacas. Mas o fato essencial é que a doença é infecciosa e embora outros mecanismos possam contribuir, as lesões no coração parecem depender fundamentalmente da inflamação causada pela presença do parasito.

Neste, que já é o maior estudo de todos os tempos sobre a doença de Chagas, os pacientes são tratados durante dois meses com o medicamento benzonidazol e depois acompanhados para determinar se a evolução da moléstia é influenciada ou não pela eliminação do Tripanossoma cruzi.
O estudo já arrolou até agora 1158 pacientes crônicos, conta o coordenador, otimista com a possibilidade de ainda se ter tempo para eventualmente beneficiar milhões de doentes existentes no mundo.

- O nosso intuito é acompanhar 3 mil chagásicos por cinco anos. Atualmente trabalham com protocolo único, 24 centros brasileiros envolvidos nessa doença, 12 centros na Argentina e 4 centros na Colômbia.
No Brasil, os centros pesquisadores estão no Estado de São Paulo (São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, São Paulo – InCor, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e Escola Paulista de Medicina), Rio de Janeiro , Minas (Uberaba, Uberlândia, Belo Horizonte ) Goiânia, Recife , Salvador , Florianópolis e Curitiba.

Canadá e OMS financiam
Os imigrantes latino-americanos -brasileiros entre eles- também levaram a doença para o Canadá, onde segundo dados não oficiais, cerca de 100 mil pessoas podem ser portadoras da infecção. Estimativa que levou o governo daquele país, como abordagem inicial do problema, a se interessar pelo financiamento desse estudo multicêntrico, conhecido pelo acrônimo “BENEFIT”, nos meios científicos.

- Ante nossa solicitação, acederam em financiar parcialmente o projeto. Estamos tirando água de pedra - confessou Marin-Neto, ao lembrar que a outra metade do custo está sendo bancada pela Organização Mundial da Saúde, através do seu órgão de doenças negligenciadas.

A verba da OMS, também pequena, permitiu a compra do próprio remédio utilizado na pesquisa, junto à antiga organização fabricante, e que agora é produzido em um laboratório oficial do Recife.




Desafios da doença
Apesar de ter sido descoberta há 100 anos, até hoje ainda existem lacunas no entendimento da doença . Segundo o pesquisador Marin-Neto, dos que são infectados pelo Tripanossoma cruzi, cerca de 50% desenvolvem as complicações da doença de Chagas.

- A outra metade, não desenvolve complicações relacionadas com a doença, mas, infelizmente, não há meios de se distinguir quais os que vão evoluir e quais os que não vão se complicar.

Os que desenvolvem a doença, segundo o cardiologista, têm como principal problema as complicações cardíacas. Secundariamente o esôfago - o órgão que liga a cavidade bucal ao estômago, provocando o mal de engasgo - e ainda a parte final do intestino, que se dilata e deixa de funcionar.

- O coração pode começar a bater muito devagar ou muito rapidamente, ambas as situações potencialmente perigosas. Outro complicador é que o músculo se enfraquece, o coração se dilata e fica sem força para impulsionar a circulação. Quando o ritmo do coração fica lento, temos o marca-passo. Quando o coração bate muito rápido, o paciente pode entrar para o grupo dos 75% que falecem de maneira súbita por causa da arritmia .

Diferentes fases
Quando a pessoa é contaminada, ocorre infecção aguda e raramente os pacientes morrem nessa fase, muitas vezes mal diagnosticada, pois se confunde até com uma simples gripe. O paciente se recupera e a doença não dá mais sinais por décadas.

- Até que as complicações da fase crônica aparecem. Se for feito o exame de sangue, na maioria das vezes se detecta que o paciente tem a infecção. Mas ainda não conseguimos explicar porque alguns permanecem até o final da vida nesse estágio, quando a doença é conhecida como forma indeterminada . Já outros evoluem para as complicações que são fatais, em algumas circunstâncias - afirmou Marin-Neto.

Formas de transmissão
Além da transmissão da doença através da picada do inseto, a segunda causa mais importante da propagação de Chagas é por transfusão de sangue.

- No Brasil, com o advento da AIDS os bancos de sangue se equiparam de maneira eficaz para detectar, entre outras, a doença de Chagas. Mas infelizmente não temos ainda convicção de que esse problema tenha sido devida e absolutamente solucionado.

Marin-Neto lembrou que, embora escassos, tem conhecimento de casos de transmissão da doença por doação de sangue ou de órgãos - sempre de indivíduos supostamente negativos; o que se deve a uma falha , provavelmente, na identificação de quem está ou não contaminado.

- Há pouco tempo tivemos no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto o caso de uma paciente que recebeu um transplante de fígado e desenvolveu a doença a partir de um doador que não tinha a doença, aparentemente, mas a transmitiu. Ela desenvolveu a forma aguda, foi tratada e respondeu muito bem, superando o problema, que chegou a ser muito grave.

Via oral
- Enquanto a população não for incluída socialmente, não tiver um padrão de vida consentâneo com um país que está se desenvolvendo, continua sendo possível que se reúnam as circunstâncias que favorecem uma doença inaceitável como essa - alerta o pesquisador .

Uma outra forma de transmissão, raramente investigada, são os chamados surtos de contaminação oral, por exemplo, por suco de açaí, de garapa ou de ingestão de produtos animais infectados; por exemplo, entre maio de 2005 e agosto de 2006, foram registrados 15 surtos da doença nos Estados do Pará , Amazonas e Amapá, segundo dados do Cremesp.

Existem algumas hipóteses para esse fato raro, mas o professor Marin-Neto está certo de que a causa mais provável da contaminação foi a do inseto triturado junto com o açaí ou a cana, por causa da maneira pouca higiênica com que esses sucos foram produzidos.

- O que nos alarmou é que nesses casos, o número de indivíduos que morreram na fase aguda foi muito mais alto do que o que se observa normalmente. E isso provavelmente se deve ao fato de que o agente - o Tripanossoma cruzi - foi introduzido no organismo, em grandes quantidades, através de regiões mais vulneráveis do corpo humano, as mucosas da boca e do estômago – disse Marin- Neto.
Outra forma de transmissão é a placentária, pela mãe portadora de Chagas, ao feto.
- Em tese, é um risco baixo – porque existem mecanismos naturais protetores, mas a transmissão, nessas condições, é bastante imprevisível. Se houver suspeita, pelo fato de a mãe ser infectada, deve-se fazer o teste na criança, após os primeiros 3-6 meses, e, se positivo, instituir-se o tratamento para erradicar o parasito de ambos (mãe e filho) - orienta o especialista.

Por Rubens Zaidan, do Jornal "A Cidade" Ribeirão Preto.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Ordem e progresso, com ciência e tecnologia


Os herdeiros do “Movimento Reformista da Geração de 1870”, que se inspiraram em correntes de pensamentos estrangeiras, como o cientificismo, o positivismo, para se opor à monarquia, haviam conseguido o que queriam. O sistema republicano vigorava no Brasil.

O ano aqui é 1900, e o médico Luís Pereira Barreto (1840 - 1923), defensor histórico desse regime republicano pelo PRP - Partido Republicano Paulista - se empenha na escrita dos manuscritos do livro: “O Século XX sob o ponto de vista Brasileiro”. Obra, que desde as primeiras linhas, na concepção do autor, pretende orientar os futuros leitores a seguir ideias, que se aplicadas, farão o Brasil caminhar sobre a égide do Positivismo, e o transformarão numa grande nação.

A corrente filosófica escolhida, por dr Barreto, para nortear esse trabalho, originou-se do filósofo e matemático August Comte (1798 - 1857). O francês defendia que a tarefa da ciência é a de estudar os fatos, as regularidades da natureza e da sociedade, para, desse modo, as formular como leis. Além disso, ele acreditava que a humanidade só atingiria a plena maturidade do pensamento após o abandono da pseudo-explicações, as substituindo por uma irrestrita adesão ao método científico.

Tratava-se de um momento delicado da História, explica a pesquisadora Maria Helena Souza Patto, oportuno para se lançar um livro que pregasse mudanças a favor do desenvolvimento nacional. Pois, a instauração do novo regime ainda não conseguia motivar mudanças econômicas, sociais e políticas mais profundas.

O “Pai do Positivismo brasileiro” soube identificar muito bem esse contexto. Era um homem culto e bem informado, de família ruralista fluminense que migrou para o Estado de São Paulo e se tornou, na região de Ribeirão Preto, um das maiores de proprietários de fazendas de café. No passado, ele havia aprendido a se diferenciar da elite ruralista brasileira, ao estudar Medicina e Ciências Naturais na Bélgica. Mas, era justamente essa bagagem, repleta de conhecimentos científicos e filosóficos, que o faziam sentir um contínuo incomodo. Afinal, ele presenciava, no dia-a-dia, a situação de atraso do Brasil, apesar de tantas riquezas naturais, deparava-se com a falta de saúde e educação do povo - na sua quase totalidade analfabeto. E o pior, percebia que a ordem e o progresso pregados pelo Positivismo, demorariam a acontecer. Diante dessa situação, cada vez mais, dr Barreto se manifestava publicamente.

Uma memorável foi a famosa série de artigos de 1876, publicados no “Província de São Paulo” - atual jornal o “Estado de S. Paulo” - com o título de “Terras Roxas”. Neles, o médico enaltecia o clima, dava exemplos de como outros países se desenvolveram ao cultivar, com tecnologia adequada, suas plantações.

“Foram textos pioneiros para a agronomia nacional, que descreviam com paixão, mas também tecnicamente, as qualidades das terras - do que esse chamava, na época, Oeste de São Paulo - em oposição às fluminenses, já degradadas”, explica o historiador José Eduardo Bruno.

A repercussão foi tamanha, que imediatamente conseguiu atrair novos produtores e, assim, estimular o desenvolvimento da cultura de café em terras paulistas. A ponto, do Estado de São Paulo assumir, em poucos anos, a posição de maior exportador mundial de café.

Nos seus discursos os positivistas costumavam relacionar o importante papel histórico que a ciência e tecnologia tinham na formação de certas nações. Que para eles servia de modelos para restante do mundo. Para dr Barreto havia exemplos a serem seguidos pelo Brasil, um vinha do hemisfério norte: os Estados Unidos da América. Ele acreditava e dizia, para quem quisesse ouvi-lo, que desde de cedo os norte americanos tinham compreendido “que a sciencia (sic) era um arma ominipotente (sic)”. Por consequência, jamais o mundo tinha visto ser “posto em prática tão vasto systema de instrucção (sic) popular”. Ainda alertava que nos EUA ocorriam, de norte a sul, uma corrente em pró do ensino técnico que “atravessava e animava toda a nação”. Devia-se sim fazer com eles, ao contrário de se contentar “em balbuciar apenas as primeiras syllabas (sic) dessas sciencias (sic) da potencia do espírito humano”. Completava, ao lembrar que se deveria ficar em alerta contra “as ciladas de toda sorte que se levantam em nosso caminho”. Sem meias palavras ele ainda fazia acusações: “Os jesuítas conhecem os meios de mutilar nosso cérebro (...)”

Alguns anos mais tarde, em 1907, o médico positivista apelaria mais uma vez às ciências para tentar mudar os rumos da nação que se formava. Já idoso e desanimado com o avanço alcançado pela sociedade brasileira, ele chegara à conclusão da dificuldade de transformar o País pelo método da seleção artificial - entenda-se educação. Decidiu então, se enveredar por caminhos estranhos, e aderiu à eugenia. Ele sonhava, agora, em estender - o que considerava ser a teoria da seleção natural - da sua criação de gado Caracu para o domínio humano. Ou seja, oferecer educação aos indivíduos mais inteligentes, mais saudáveis, e não desperdiçar mais recursos, e tempo, com os menos aptos, os miscigenados. Ajudar os “vitoriosos” evoluírem e melhorarem a “raça brasileira”.

A crença de que a tríade Positivismo, ciências e educação, algum dia, trariam o enriquecimento da pátria e o progresso do País, acompanhou Luís Pereira Barreto até sua morte. Mesmo que ele tenha exagerado em determinados momentos, em nome do que acreditava, uma leitura mais atenta da sua obra demonstrará que muito do que ele disse, ainda, tem valor.

Um exemplo dessa atemporalidade, encontra-se nas perguntas que ele fez na abertura do segundo capítulo de “O Século XX sob o ponto de vista Brasileiro”: “Não seremos capazes de se valer de tantos excepcionaes (sic) recursos?; não passará deveras de uma utopia o plano de engrandecimento que o Club de Engenharia traçou para o nosso futuro?; não será a nossa sociedade em massa a única responsável pelo mallogro (sic) de tão alevantadas aspirações scientíficas (sic)?”

Mais de 100 anos depois, ainda são perguntas difíceis de se responder.

Por Paulo Verri Filho.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Catavento: A extensão do conhecimento em uma concepção moderna de museu


O ensino de ciências para crianças e adolescentes tem despertado cada vez mais a atenção de governantes de todo o mundo. E no Brasil não faltam motivos para o poder público se preocupar com a questão. Recentemente, os resultados dos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) - a mais completa avaliação internacional para a educação - mostra o Brasil em 52º na categoria ensino de ciências. O Brasil também tem observado uma queda na busca pela carreira científica: na maior universidade pública do país - a USP - a procura por cursos de formação de professores, incluindo os de ciências (como matemática, química e física), declinou à metade no último vestibular.

Diante desse cenário, especialistas em educação enfatizam a necessidade de incentivar os jovens para as ciências, de preferência de maneira interativa, lúdica e divertida.

O Museu Catavento, inaugurado na última quinta-feira (26) pelo Governador de São Paulo, José Serra, é uma resposta pública para melhorar tanto o ensino de ciências, quanto o interesse dos jovens pela carreira científica. Localizado no Palácio das Indústrias, edifício histórico dos anos 1920, o espaço tem oito mil metros quadrados de atrações e 250 instalações diferentes. O objetivo é aprimorar o ensino das ciências para estudantes de diversas idades, bem como contribuir para o estímulo à curiosidade, à criatividade à resolução de problemas e ao raciocínio lógico.

A proposta é que uma visita ao museu seja tão estimulante quanto a um parque de diversões. "O catavento faz girar emoções, ideias, sentimentos, e se inspirou nos principais museus do mundo no gênero", afirmou o Governador José Serra na solenidade de inauguração do novo espaço.

O presidente do Conselho da Organização Social de administração da Catavento Cultural e Educacional, Sérgio Silva de Freitas, ressaltou que o objetivo do Catavento é mostrar aos jovens um caminho que pode ser seguido no futuro em aspectos profissionais. "O Catavento pretende melhorar o ensino de ciência, em consonância com a educação regular", destaca.

No mesmo sentido, o Secretário de Ensino Superior, Carlos Vogt, que também esteve presente à inauguração, descreveu a importância deste espaço. Para ele, um museu moderno como esse, "com características que permitem aos jovens não só ver, mas interagir com as formas de conhecimento representadas nos diferentes objetos e nas diferentes situações de conhecimento" funciona, entre outras coisas, como uma motivação simpática para que os jovens se interessem pelas questões da cultura cientifica. "Desse modo, os jovens criam uma disposição afetiva bastante positiva em relação à ciência e ao conhecimento científico", completa Vogt.

O Catavento é fruto de uma parceria entre as Secretarias de Estado de Cultura e da Educação e será administrado pela Organização Social Catavento Cultural e Educacional, sob supervisão da Secretaria da Cultura.

Meteoritos e homens virtuais
O Catavento se divide em quatro seções: universo, vida, engenho e sociedade. A seção ‘universo' permite que o visitante toque um meteorito de verdade, de seis mil anos, mostra o universo e as viagens do homem à lua, o sistema solar, o céu e a Terra. A seção ‘vida' explora a biodiversidades, bioma, aves do Brasil, evolução, homem virtual, genoma e mundo microscópio. O ‘engenho' chama atenção pela sala das ilusões, mecânica, eletromagnetismo, calor, fluido e óptica. A seção ‘sociedade', traz discussões atuais sobre o desenvolvimento do ser humano, destaca os temas de ecologia, jogos de poder, educação para resultados, arte cinética, nanotecnologia e questões ligadas a sexualidade, como por exemplo, prevenção da gravidez e DSTs.

Dezenas de fibras ópticas simulam o céu de uma noite estrelada, botão acionado na Bandeira do Brasil para descobrir qual estrela corresponde a determinado estado, caverna que reproduz as formações e sons comuns, uma brincadeira com as cores, estruturas tridimensionais do corpo humano, instalações com 700 borboletas amazônicas, canto dos pássaros, instalação ‘eletromagnetismo' que deixam, literalmente, os cabelos em pé, e muitas outras atividades neste universo.

Apoio das universidades públicas
O museu conta com um importante apoio das universidades estaduais paulistas. O Instituto de Astronomia da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, forneceu materiais e apoio técnico para toda a área de ‘Universo'. A fundação Faculdade de Medicina da mesma universidade participa com a didática para a explicação das maquetes da instalação "Homem Virtual", além dos filmes especializados em educação sexual projetados na mesma seção. A Escola Politécnica também da USP desenvolveu o passeio digital, uma viagem em 3D pelas paisagens do Rio de Janeiro.

O projeto contou ainda com a participação do Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O museu instalou no Catavento uma réplica da NanoAventura - uma exposição interativa sobre nanociência e nanotecnologia feita por meio de jogos eletrônicos e vídeos. A NanoAventura foi desenvolvida em 2005 com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), dentre outras instituições.

Interesse por ciência
Em uma pesquisa recente sobre percepção pública da ciência realizada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) em nível nacional, apenas 4% dos entrevistados declararam ter visitado um centro ou museu de ciência em 2006. Porém, quando questionados sobre o interesse em ciência e tecnologia, os entrevistados revelaram que a ciência interessa mais (41% declaram ter muito interesse) do que política (20%) e moda (28%), e quase o mesmo tanto que esportes (47%). Os resultados mostram que há interesse, mas faltam iniciativas para promoção de museus e espaços de ciências - como o Catavento.

Outra pesquisa de percepção pública da ciência mais recente conduzida por um grupo de pesquisadores da UNICAMP coordenado por Carlos Vogt mostra que as pessoas que moram no Estado de São Paulo com idade maior que 35 anos têm duas vezes mais chances de serem interessadas em ciência e tecnologia do que quem tem entre 16 e 24 anos, ou seja, idade em que se decide o futuro profissional. O trabalho da UNICAMP, que foi financiado pela FAPESP, será publicado em breve, na terceira edição dos Indicadores de Ciência Tecnologia e Inovação da FAPESP.

Serviço - Catavento
Local: Palácio das Indústrias - Parque Dom Pedro II, centro
Visitação: De terça a domingo, das 9 horas às 17 horas (bilheteria fecha às 16 horas)
Idade: a partir dos 6 anos. Preço: R$ 6 e meia-entrada para estudantes e idosos
Acesso: estação do Metrô Pedro II e terminal de ônibus no Parque Dom Pedro II
Estacionamento/preço: capacidade para 200 carros. Até 3 horas (somente para visitantes do Catavento): R$ 8.
Mais informações no site: www.cataventocultural.org.br/mapas.asp/mapas.asp

Por Erica Guimarães e Sabine Righetti.