O ano aqui é 1900, e o médico Luís Pereira Barreto (1840 - 1923), defensor histórico desse regime republicano pelo PRP - Partido Republicano Paulista - se empenha na escrita dos manuscritos do livro: “O Século XX sob o ponto de vista Brasileiro”. Obra, que desde as primeiras linhas, na concepção do autor, pretende orientar os futuros leitores a seguir ideias, que se aplicadas, farão o Brasil caminhar sobre a égide do Positivismo, e o transformarão numa grande nação.
A corrente filosófica escolhida, por dr Barreto, para nortear esse trabalho, originou-se do filósofo e matemático August Comte (1798 - 1857). O francês defendia que a tarefa da ciência é a de estudar os fatos, as regularidades da natureza e da sociedade, para, desse modo, as formular como leis. Além disso, ele acreditava que a humanidade só atingiria a plena maturidade do pensamento após o abandono da pseudo-explicações, as substituindo por uma irrestrita adesão ao método científico.
Tratava-se de um momento delicado da História, explica a pesquisadora Maria Helena Souza Patto, oportuno para se lançar um livro que pregasse mudanças a favor do desenvolvimento nacional. Pois, a instauração do novo regime ainda não conseguia motivar mudanças econômicas, sociais e políticas mais profundas.
O “Pai do Positivismo brasileiro” soube identificar muito bem esse contexto. Era um homem culto e bem informado, de família ruralista fluminense que migrou para o Estado de São Paulo e se tornou, na região de Ribeirão Preto, um das maiores de proprietários de fazendas de café. No passado, ele havia aprendido a se diferenciar da elite ruralista brasileira, ao estudar Medicina e Ciências Naturais na Bélgica. Mas, era justamente essa bagagem, repleta de conhecimentos científicos e filosóficos, que o faziam sentir um contínuo incomodo. Afinal, ele presenciava, no dia-a-dia, a situação de atraso do Brasil, apesar de tantas riquezas naturais, deparava-se com a falta de saúde e educação do povo - na sua quase totalidade analfabeto. E o pior, percebia que a ordem e o progresso pregados pelo Positivismo, demorariam a acontecer. Diante dessa situação, cada vez mais, dr Barreto se manifestava publicamente.
Uma memorável foi a famosa série de artigos de 1876, publicados no “Província de São Paulo” - atual jornal o “Estado de S. Paulo” - com o título de “Terras Roxas”. Neles, o médico enaltecia o clima, dava exemplos de como outros países se desenvolveram ao cultivar, com tecnologia adequada, suas plantações.
“Foram textos pioneiros para a agronomia nacional, que descreviam com paixão, mas também tecnicamente, as qualidades das terras - do que esse chamava, na época, Oeste de São Paulo - em oposição às fluminenses, já degradadas”, explica o historiador José Eduardo Bruno.
A repercussão foi tamanha, que imediatamente conseguiu atrair novos produtores e, assim, estimular o desenvolvimento da cultura de café em terras paulistas. A ponto, do Estado de São Paulo assumir, em poucos anos, a posição de maior exportador mundial de café.
Alguns anos mais tarde, em 1907, o médico positivista apelaria mais uma vez às ciências para tentar mudar os rumos da nação que se formava. Já idoso e desanimado com o avanço alcançado pela sociedade brasileira, ele chegara à conclusão da dificuldade de transformar o País pelo método da seleção artificial - entenda-se educação. Decidiu então, se enveredar por caminhos estranhos, e aderiu à eugenia. Ele sonhava, agora, em estender - o que considerava ser a teoria da seleção natural - da sua criação de gado Caracu para o domínio humano. Ou seja, oferecer educação aos indivíduos mais inteligentes, mais saudáveis, e não desperdiçar mais recursos, e tempo, com os menos aptos, os miscigenados. Ajudar os “vitoriosos” evoluírem e melhorarem a “raça brasileira”.
A crença de que a tríade Positivismo, ciências e educação, algum dia, trariam o enriquecimento da pátria e o progresso do País, acompanhou Luís Pereira Barreto até sua morte. Mesmo que ele tenha exagerado em determinados momentos, em nome do que acreditava, uma leitura mais atenta da sua obra demonstrará que muito do que ele disse, ainda, tem valor.
Um exemplo dessa atemporalidade, encontra-se nas perguntas que ele fez na abertura do segundo capítulo de “O Século XX sob o ponto de vista Brasileiro”: “Não seremos capazes de se valer de tantos excepcionaes (sic) recursos?; não passará deveras de uma utopia o plano de engrandecimento que o Club de Engenharia traçou para o nosso futuro?; não será a nossa sociedade em massa a única responsável pelo mallogro (sic) de tão alevantadas aspirações scientíficas (sic)?”
Mais de 100 anos depois, ainda são perguntas difíceis de se responder.
Por Paulo Verri Filho.
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