quarta-feira, 25 de março de 2009

O Valor das idéias

Recentemente, em uma reunião com amigos, estivemos discutindo o valor das idéias, o que foi ressaltado em função daquelas idéias que não são levadas adiante, mas só permanecem na cabeça dos idealizadores.

Minha opinião era a de que sim, tem valor qualquer idéia, mesmo porque nem todos têm perfil empreendedor-argumento dos que não concordavam comigo-. Mas, confesso, eu não soube defender com propriedade qual era o valor, já que tais idéias não geram benefícios a quem quer que seja, e também porque eu me apoiei principalmente em exemplos de idéias do meu conhecimento.

Sendo assim, citei, por exemplo, uma idéia que tive há muito tempo atrás, sobre como seria útil se inventassem uma máquina de preencher cheques. Naquele tempo não havia tal máquina, e eu não usei de qualquer fonte de informação nem mesmo da literatura. Passados muitos anos, no entanto, tal máquina apareceu, e eu, orgulhosa, fiz questão de compartilhar tal notícia com quem, na época, ouviu e apreciou a “minha idéia”.

E daí, qual o valor desta idéia se, enquanto sua, você não levou adiante; o mérito é totalmente de quem a implementou, manifestou um dos discordantes.

E daí, concordei, que só quem implementa uma idéia tem, de fato, o mérito, mas que, antes de implementar há que se ter a idéia, se o idealizador tem ou não o perfil para a busca da transformação da mesma em realidade, isso é outro assunto, complementei. Além disso, cumpre citar, outras vezes, só a observação e o questionamento de um fato já revela uma idéia, que nem sempre é levada adiante e somente, e as vezes, repassadas ou encaminhadas a quem seja competente em explicar ou buscar a resposta do questionamento respectivamente.

Deste caso, por exemplo, eu citei que, ao observar um arco íris duplo, me incomodou o fato de a seqüência das cores de um e outro ser invertida, o que gerou um questionamento ou, portanto, uma idéia. Não sabendo o porque disto, enviei mensagens eletrônicas para diversos órgãos e meios de divulgação de pesquisa, inclusive, à revista FAPESP (http://www.revistapesquisa.fapesp.br/).

E indaguei sobre quem poderia dizer que não tem valor esta idéia, pois certamente alguém vai levar adiante este questionamento, que o estabelecerá como de valor, e neste caso, de valor científico, complementei. Assim somos: o escritor escreve, o pintor pinta, a costureira costura, o cientista investiga, etc...e, escrever, pintar, costurar e investir são formas, adequadas ao perfil de cada um, de transformar idéias.

Eu, por exemplo, sendo uma pesquisadora, logo que tenho uma idéia relativa à minha área de pesquisa, me empenho em buscar referências bibliográficas afins para, após análise da originalidade da mesma, e também pela consulta a parceiros de nível superior ao meu, e de acordo com meu nível de conhecimento, levar adiante a idéia, até conseguir revelar a mesma apta a ser publicada em revista científica-que é o equivalente a registrar patente no caso do empreendedor-, expliquei. Ainda que, nem sempre, sejam respeitados os direitos autorais...

Ninguém manifestou qualquer interesse no meu discurso, nem por elegância para a continuidade do mesmo, e mudamos de assunto!

E eu, ainda desolada pela interrupção do assunto, concluí “com meus botões”, ser este o papel da ciência e tecnologia no desenvolvimento nacional: acreditar que havendo idealizadores de diversas naturezas, há que se empenhar em gerar condições favoráveis para que os mesmos transformem suas idéias em realidade, em especial aquelas que possam trazer benefícios à nação.

Por Mariangela Amendola, matemática e professora na Unicamp.

O encontro de dois amigos brasileiros

Faziam mais de cinco anos que os dois não se encontravam. Amigos de infância, a dupla escolhera caminhos diferentes para suas vidas: um acabara de retornar do Estados Unidos, onde concluiu sua pós graduação; o outro havia se formado em uma universidade pública de São Paulo e era especialista em plantas medicinais da Amazônia. Atualmente participava de um projeto em parceria com pesquisadores da Europa.

Vamos lá, conte-me o que têm feito? - perguntou o biólogo questionador.

Acabei de retornar dos EUA, onde fiz minha pós graduação. E não vejo a hora de pode voltar para lá de novo. Aquilo sim é que país: uma potência mundial, muita riqueza, emprego, desenvolvimento. - respondeu o engenheiro – E você, como anda?

Eu me formei ano passado em Biologia e estou trabalhando em parceria com pesquisadores ingleses. Em virtude das dificuldades em conseguir financiamento para minhas pesquisas no Brasil, resolvi procurar recursos estrangeiros. - Lá sim eles investem em ciência. É onde se produz conhecimento - explicou.

E é por isso que são países desenvolvidos. Nos EUA também é assim – comentou o amigo, quase americanizado. Ele retirou uma caneta do bolso, com a qual rabiscou no guardanapo – eles pensam no ciclo em que, se você investe em pesquisa, você produz conhecimento, que produz tecnologia, que melhora a qualidade de vida das pessoas.

O brasileiro, no entanto, não compreendeu qual a relação de ciência e tecnologia com a qualidade de vida das pessoas.

Como assim? O que uma coisa tem haver com a outra? - questionou.

Nesses países as políticas públicas estão diretamente relacionados aos setores do conhecimento, auxiliando nas tomadas de decisão em benefício da maioria da população - explicou o gringo brasileiro.

O amigo tupiniquim, empolgado com a conversa, perguntou:

Então é verdade que o país que investe muito em pesquisa e tecnologia é mais desenvolvido?
Com certeza. Basta ver os EUA: país desenvolvido e que tem a maior produção de artigos científicos do mundo. É uma relação direta - revelou o recém chegado dos EUA, citando a frase de Oswaldo Cruz: “Meditai se só as nações fortes podem fazer ciência, ou se é a ciência que as faz fortes”.

O especialista em plantas, no entanto, tinha uma grande dificuldade em aceitar o esquema das publicações. No passado havia sofrido fortes pressões para que publicasse vários artigos, mesmo não tendo resultados importantes.

Nem me fale nessa história de quantidade de publicações. O que importa hoje em dia é publicar, publicar. Quanto mais melhor. Não é quanto melhor, melhor.

Fazer o quê? Infelizmente essa é a lei imposta. O mais importante é cada um fazer sua parte - ponderou o amigo.

Sem contar nas pesquisas financiadas por instituições privadas, que exigem resultados práticos, rápidos e não dividem nem um pouco do lucro que conseguem com nossos resultados –comentou bravamente - Veja a empresa que eu trabalho: estamos descobrindo uma substância de uma planta amazônica que poderá curar diversas doenças. E os donos já estão buscando meios de driblar as leis e privar todos dos benefícios, fazendo com que até mesmo os brasileiros paguem pelo remédio - desabafou o brasileirinho.

Seria tão bom se o Brasil investisse em pesquisas que beneficiassem a sociedade!!! - sonhou alto o engenheiro – eu até retornaria para cá.

Mas o Brasil está melhorando nesse aspecto né? - disse, referindo-se à conquista do 15 lugar no ranking mundial de produção científica e aos investimentos previstos na recém-criada Política Nacional de ciência, tecnologia e inovação.

Logo logo seremos desenvolvidos!!! - exclamou ironicamente o “estrangeiro”.

Será? Acho que o que é desenvolvimento para um, pode não ser para outro. O Brasil tem sua própria história, não dá pra comparar com outros países. Têm suas demandas. Não pode ficar se espelhando nos chamados países desenvolvidos - comentou o saudosista brasileiro.

Isso é verdade, concordou o amigo. Basta ver o que eles fizeram com suas florestas, seus recursos naturais. Acabaram com tudo – referindo-se aos países do primeiro mundo.

Pois é, e hoje enviam dinheiro para os países do terceiro mundo preservar o que ainda resta, enquanto poluem à vontade – indignou-se o botânico.

Por isso eu acho: não há porque ficar chateado pois não somos desenvolvidos – comentou - Esse é o destino do Brasil – conformou-se o gringo brasileiro.

Eu discordo, acho que devemos ficar orgulhosos de não sermos igual à esses países.

Deveríamos construir uma nova concepção de desenvolvimento – retrucou rapidamente o amigo.
E você acha isso fácil? - perguntou o pós graduado, formado nos EUA.

Fácil não é. Mas talvez esse seja o papel da ciência e da tecnologia brasileira: descobrir alternativas ao desenvolvimento que existe nos países do primeiro mundo. Não copiá-lo.

Pois esse desenvolvimento é o mesmo que extermina suas bases de sustentação – afirmou o amigo patriota.

Hã? Não entendi.

Pois é. Você não disse que os EUA são desenvolvidos pois tem muita riqueza? E de onde vem essa riqueza? Pra ter riqueza eles exploram alguém e/ou alguma coisa. E isso nunca tem fim.

É, acho que agora entendi o que você quis dizer.

Eu quis dizer que o desenvolvimento buscado e alcançado pela ciência e tecnologia deve ser baseado no respeito ao meio ambiente, à biodiversidade, à vida e às culturas locais. Pois só assim teremos um Brasil livre e dono do seu destino.

Chega de papo furado, já sonhamos demais. Vamos pagar a conta? - sugeriu o brasileiro americanizado, encerando a conversa pois já estava com dor de cabeça de tanto pensar no assunto.

Por Felipe Augusto Zanusso Souza.

terça-feira, 24 de março de 2009

Investimento em Ciência também traz Felicidade

Por mais de três séculos o Brasil amargou o triste papel de colônia importadora de tudo o que houvesse de pronto, de sapatos a maquinário pesado, fornecendo ao reino de Portugal tudo que fosse bem primário, sem que houvesse o mínimo do mínimo de tecnologia empregado no processo de manufatura. Curiosamente, o ouro era processado aqui e enviado na forma de lingotes, assim como vários tipos de minérios, como o ferro, muitas vezes processado na antiga fábrica de armas de Sorocaba. Vergonhosamente, também não havia também universidades no país, muito embora na América espanhola já houvessem várias, e, por conta disso, exportamos também nossas melhores cabeças para Portugal e outros países, ficando nossa, vá lá, elite intelectual, bastante desfalcada. Porém, findado o período colonial, não houve progresso no sentido de incrementarmos nossa indústria não indo além da exportação da matéria bruta. Continuamos na mesma na pós-alforria de Portugal.

Com a proclamação da república, já quase entrando no século XX, ficou tudo na mesma. A cana-de-açúcar, o café, o ciclo da borracha todos, em maior ou menor grau, contribuíram para que tudo permanecesse como sempre: exportando o básico e mandando lavar roupa em Lisboa. O mundo nos mandava tudo. Delivery!

Ao longo do século XX, apesar de não sermos mais colônia de ninguém e já sermos uma república, ainda que na forma de Estados Unidos, continuamos como meros exportadores de matéria-prima, exportada sem nenhum tipo de processamento, quase tão bruta como quando foi obtida na natureza. Apenas na década de 30, depois da quebra da bolsa, e do mundo, é que surge a primeira Universidade, tal qual aquele conceito de Bologna de uns 700 anos antes.

Por pressão dos Estados Unidos, não entramos na Segunda Guerra pelo lado alemão. Em troca de abdicarmos do fascismo, ganhamos uma siderúrgica. Este fato, ainda que isolado por se tratar de uma única fábrica é notável para o nosso incipiente parque tecnológico. A partir dele, aliado ao nacio-populismo da década de 50, começa no país uma revolução industrial. Indústrias chegam cada vez em maior número, necessitando de mão-de-obra cada vez mais especializada. O mero apertador de parafuso não serve mais, pois é necessário que ele produza o parafuso, além de apertar é claro. O ensino deve ser universalizado. Do básico ao superior. Na década seguinte, apesar da ditadura ou por causa dela, criam-se dezenas de universidades federais pelo país afora. Estaduais também. Tem início o ciclo tecnológico no país. Paralelamente, o Brasil ufânico, a potência do futuro, aflora como propaganda da ditadura. Investimentos maciços em produção energética são feitos; hidrelétricas são construídas, pontes são feitas, estradas, portos, aeroportos, tudo que significasse grandiosidade era incentivado e financiado. Dinheiro não era problema, pois emprestar mundo afora era moda. É o Brasil do futuro tentando nascer.

Porém, tudo o que é bom dura pouco. Assim, na primeira crise do petróleo, o Brasil se viu numa situação crítica e, de modo a deixar todos os críticos pasmos, tomou uma atitude nunca antes vista nesse país: antecipou-se às futuras crises! Criou um programa único no mundo de substituição de matriz energética, tentando encontrar um substituto viável ao petróleo. Trocar o petróleo por álcool, vindo da cana-de-açúcar tão conhecida de todos, parecia loucura na época, mas era uma possível solução e tão logo foi possível criou-se o Pro-álcool. Programa único, que necessitou de milhões de dólares de investimento e décadas de esforço humano para que se torne viável. Pela primeira vez investia-se numa cadeia completa de produção indo da matéria básica, colhida no campo, até o produto final, na bomba de combustível.

Porém, fazer álcool se transformar em combustível não era e nem é tarefa das mais complexas, mas por outro lado, produzir tecnologia, isto é, um carro com motor que pudesse rodar com esse combustível era outra coisa. Muito mais difícil. Nesse ponto entram em operação as Universidades instaladas no país nas décadas anteriores, os institutos de pesquisa e tecnologia. Sem eles não teria sido possível essa transformação tecnológica, que ainda ocorre nos dias de hoje já que melhores desempenhos são cada vez mais exigidos, impondo constantes melhorias nos projetos em andamento.

Fica claro, nesse exemplo banal, que a tecnologia depende de investimentos diretos em formação de pessoal e equipamentos, que pode parecer dispendioso, porque a primeira vista não trás resultado algum, mas que uma geração depois pode fazer diferença para toda uma linha de produção e para todo um país, trazendo investimentos estrangeiros e tornando-nos exportadores de tecnologia, cujo valor financeiro final é imensamente maior que a exportação de bananas.

Tecnologia e desenvolvimento social andam de mãos dadas, sempre que há interesse é óbvio. Interesse da sociedade civil e governamental.

Produzir ciência não implica em produzir tecnologia e muitas vezes é necessário esperar décadas entre a teoria do objeto e o objeto em si. Porém, ciência produz cientistas, óbvio ululante, que podem ajudar na democratização de idéias, na popularização de temas. Ou seja, a ciência pode ajudar a produzir uma sociedade mais consciente daquilo que ela necessita. A tecnologia é conseqüência daquilo que se quer enquanto sociedade. Desta forma, a ciência ajuda a educar a sociedade que ajuda a escolher que tecnologias quer utilizar para enfrentar o mundo, isto é, as outras sociedades organizadas segundo o seu modo de vida. Nos dias de hoje quanto mais limpa for a tecnologia melhor para todos. Cientistas ou não.

No Brasil, apesar de todo o atraso visto acima, estamos assumindo uma liderança expressiva na matriz bioenergética. Reciclamos alguns materiais em índices acima de paises considerados desenvolvidos. Evidentemente, temos um caminho muito longo ainda para percorrer em busca de melhorarias sociais, mas este caminho poderá ser suavizado ou, quem sabe, encurtado, caso investimento sejam feitos em ciência básica, prevenção de doenças, saneamento básico e educação. Depois desses passos básicos talvez, quem sabe, possamos voar.

Por Sérgio Campos, matemático e físico.

Para se entender no mundo

O papel da alfabetização em ciência e tecnologia ultrapassou em muito a finalidade de produzir conhecimento de forma racional e metodológica e, também, de estimular o desenvolvimento econômico das nações. No último século tornou-se um instrumento de inserção cultural, econômica e de pertencimento ao mundo.

Nas últimas décadas a percepção a respeito da importância de se ensinar e aprender Ciências tem se alterado profundamente. Essa mudança reflete uma aproximação das Ciências do dia-a-dia das pessoas. Essa aproximação se dá mais no âmbito dos efeitos dos produtos da ciência e tecnologia em nossas vidas do que, propriamente, no fazer Ciência.

Em uma perspectiva mais ampla, podemos perceber que a preocupação em aproximar ciência, tecnologia e sociedade não se restringe à escola e ao currículo formal das disciplinas da área de ciências da natureza. Esta tendência apresenta-se nas diversas ações de divulgação nos museus, nos centros de ciência e tecnologia, em programas de televisão, revistas, internet e jornais voltados ao grande público.

A importância da ciência e tecnologia na sociedade atual produziu um importante movimento denominado “ciência, tecnologia e sociedade” que tem influenciado, por exemplo, no âmbito educacional, as reestruturações curriculares no estado de São Paulo e no país. Essa tendência leva em consideração o impacto atual da ciência na tecnologia, desta na indústria, na saúde, na natureza e, de modo geral, na qualidade de vida, envolvendo uma visão interdisciplinar que desconsidera a compartimentalização do conhecimento entre áreas distintas.

Tanto destaque à ciência e tecnologia nos faz questionar: qual a importância de ensinar e aprender ciências para a formação básica dos brasileiros?

Uma parte da resposta é conhecida desde a década de 1950, com os trabalhos de Robert Solow. Segundo esse economista, o desenvolvimento econômico e sustentado de um país depende de diversos fatores, entretanto, o progresso tecnológico promovido pela educação contribui mais para o crescimento econômico do que o aumento dos capitais ou da força de trabalho.

Mas, a busca de um desenvolvimento econômico e sustentado não é a única razão para se promover a alfabetização científica dos brasileiros.

Podemos compreender que esse tipo de alfabetização integrado à educação básica deve servir, também, à formação de pessoas que possam participar e usufruir das oportunidades, das responsabilidades e dos desafios inerentes a uma sociedade na qual a influência da ciência e tecnologia se faz cada vez mais presente.

É preciso, portanto, que os cidadãos sejam capazes de, com base em informações e análises bem fundamentadas, participar das decisões que afetem suas vidas, organizando um conjunto de valores mediado na consciência da importância de seu próprio aperfeiçoamento e no das relações sociais e socioambientais.

A formação de cidadãos com este perfil pressupõe o desenvolvimento de algumas competências, entre as quais cito três, para que possa dar seguimento a esta análise. São elas: construir representações simbólicas sobre fenômenos da natureza; analisar e se posicionar em relação a fatos científicos e tecnológicos e expressar-se e comunicar-se utilizando diferentes linguagens para expor seus julgamentos de valor.

Exige-se assim, que as pessoas tenham capacidade analítica e investigativa para chegar a uma decisão a respeito de situações que envolvam a natureza, a sociedade, a ciência e a tecnologia, tenham capacidade de comunicação para ouvir, interpretar e expressar diferentes pontos de vista e utilizem sua imaginação para colocar-se no lugar do outro, compreendendo concepções, argumentos e pontos de vista diferentes dos seus com sensibilidade e sem preconceitos.

Tais capacidades não são inerentes às pessoas, porém podem ser desenvolvidas pela educação e, em particular, pelo ensino de ciências. Isso porque, a ciência pode ser caracterizada como uma forma própria de pensamento e construção de conhecimento com profundas implicações no desenvolvimento sociocognitivo das pessoas.

Favorecer a alfabetização em ciências tem por funções principais a formação de pessoas capazes de, não apenas identificar o vocabulário da ciência, mas principalmente compreender conceitos e utilizá-los para enfrentar desafios e refletir seu cotidiano.

Tomemos como exemplo uma das principais características da linguagem científica, a precisão, ou seja, a capacidade de transmitir informações e conceitos relevantes de forma objetiva, com um mínimo de recursos ou texto. Essa é uma capacidade que se desenvolve ao longo de anos de formação e, cuja importância, não se restringe aos profissionais da área de ciências. Portanto, deve ser desenvolvida desde muito cedo e ao longo de toda a formação básica.

Outro pressuposto importante relacionado ao ensino de ciência é fazer com que as pessoas desenvolvam a competência de fazer pesquisa que, neste contexto, podemos considerar: aprender de forma independente e autônoma um tema ou um procedimento que não se conhece. Com o desenvolvimento desta competência espera-se que o indivíduo consiga organizar seus conhecimentos e seu trabalho de forma que a observação seja criticamente constante e que ele possa recuperar informações obtidas anteriormente. É necessário revisitar, constantemente, seus conhecimentos e concepções. É preciso ser capaz de tirar conclusões do seu trabalho, saber argumentar em favor delas e acolher os argumentos contrários. É preciso compreender a importância do erro, na tentativa de superar seus limites e reavaliar suas concepções.

Dessa forma, tanto a capacidade investigativa quanto a de comunicar-se de forma eficaz são competências que podemos compreender como modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer.

Podemos então deduzir que o desenvolvimento de habilidades e competências, aparentemente, do domínio da ciência pode produzir profundos efeitos na formação de qualquer pessoa. Como resultado, espera-se que esse processo de alfabetização conduza a uma mudança que envolva a vida e a responsabilidade pessoal do sujeito frente à construção de seu conhecimento.

A importância de ensinar e aprender ciências reside na possibilidade de criar oportunidades para que as pessoas construam seus saberes e na esperança de que estes saberes, construídos continuamente, lapidem a relação entre o sujeito e seu mundo.

Por Paulo Cunha.

Desafios a serem enfrentados neste novo século

A importância da ciência e tecnologia para o desenvolvimento dos povos é muito clara ao longo da história da humanidade. Desde os primórdios de nossa existência as tribos que desenvolviam alguma técnica, como por exemplo, para produzir fogo, melhorar a eficiência da caça ou do plantio, apresentavam vantagens sobre outras e provavelmente puderam sobreviver a condições ambientais adversas. Isso só se tornou mais claro com o acúmulo do conhecimento produzido pela humanidade ao longo dos séculos, que iniciou seu apogeu com a Revolução Industrial e que perdura até os dias de hoje. Desde então, os países hegemônicos na ordem mundial são aqueles que desenvolvem e aplicam novos conhecimentos e tecnologias. Haja visto a Inglaterra, que no século XVIII e XIX era a maior potência do mundo devido a explosão das manufaturas e de sua frota marítima, frutos do desenvolvimento e detenção de novas tecnologias. Posteriormente, o cetro foi passado para os Estados Unidos da América, que passou mais da metade do século XX disputando com a antiga União Soviética a supremacia tecnológica e científica, como na corrida espacial.

Exemplos surpreendentes atuais são os países orientais como Japão, China e Coréia do Sul. O primeiro teve sua economia completamente destruída durante a segunda guerra mundial quando sofreu as terríveis bombas atômicas. Em algumas décadas, com o estímulo maciço sobre a educação e ciência, eles detêm a primazia tecnológica mundial junto aos EUA. A China, que provém de um regime socialista autoritário, o qual gerou o fechamento do país ao exterior e muita pobreza, hoje é a segunda economia mundial em franca ascendência, com um investimento pesado na educação, sendo que 92% de uma população de mais de um bilhão e trezentos milhões de pessoas são alfabetizados. A Coréia do Sul, em pouco mais de 40 anos, deixou para trás seu PIB per capita comparável ao dos países africanos em 1961 para ser um dos chamados Tigres Asiáticos, com um dos maiores PIB per capita do mundo. O que se deve também, entre outras coisas, ao investimento em educação, ciência e tecnologia.

O povo brasileiro, apesar de muito criativo, com o famoso “jeitinho brasileiro macunaímico” se desvia de qualquer pedra encontrada no meio do caminho das formas mais mirabolantes, porém é muito ignorante acerca da ciência em geral. Bem verdade, não só de ciência, mas de tudo relativo ao conhecimento formal: literatura, artes plásticas, política, geografia, economia e por aí vai. Ou seja, somos uma pedra rara em estado bruto. Seria maldade também não mencionar que outros países, mesmo com uma educação regular mais bem estruturada e difundida, também sofrem da mesma ignorância em relação à ciência. Um levantamento do Ministério de Ciência e Tecnologia feito em 2007, sobre a percepção pública acerca da ciência e tecnologia, demonstra que 57% dos entrevistados têm pouco ou nenhum interesse sobre ciência e tecnologia. Quando perguntadas sobre a razão desse desinteresse, essas pessoas responderam que tinham dificuldade de compreensão sobre estes temas. Isso demonstra que essa desinformação e desinteresse não são problemas tão simples de se resolver. Há um estigma de que esses assuntos são inacessíveis para o cidadão comum. Inicialmente devemos quebrar esta idéia de que os temas são incompreensíveis. Além disso, a questão não é apenas informar as pessoas acerca das novidades científicas e tecnológicas. O desafio é maior ainda: mais do que saber o que está acontecendo, é importante que estes indivíduos sejam críticos em relação ao que ocorre, dada a relevância dos adventos tecnológicos e científicos para a sociedade. Apesar da grande discussão na mídia nos últimos tempos sobre poluição, conservação ambiental, energia nuclear, bomba atômica, transgênicos, células tronco, clonagem e bioética e de toda a importância acerca destes temas, pouquíssimas pessoas na sociedade estão preparadas para discutir estes assuntos.

Ainda estamos muito distantes do patamar em que a maioria da população se interessará por ciência e tecnologia e poderá discutir sobre os temas relevantes para a sociedade. Mas o Brasil já está avançando em alguns pontos. Nossa produção científica tem aumentado ao longo do tempo. Nos últimos dez anos houve um aumento de 133% no número de artigos científicos publicados em revistas especializadas. O investimento do ministério da Ciência e Tecnologia neste setor duplicou de 2000 a 2007. O investimento privado também aumentou neste período. Entretanto, isto ainda é pouco. Principalmente porque o apoio governamental, o mais significativo, apesar de ser maior em valor, foi menor em relação à porcentagem do PIB investida. A participação das indústrias ainda é ínfima se comparada aos países mais desenvolvidos, cuja principal fonte da verba para pesquisa provém de fundos privados. O governo Lula aumentou a contratação de professores nas Universidades públicas, assim como o número de vagas. Entretanto, mais vagas não significam maior qualidade. Também foi desenvolvido o biocombustível, que já é considerado uma iniciativa pioneira sobre as fontes de obtenção de energia, que se extinguirão em pouco tempo. Ainda sim, estamos longe de ser independentes do petróleo e gás natural. Resumindo, ainda temos muito o que fazer.

Apesar dessa dificuldade, há a clara noção de que a educação é necessária em todos os extratos sociais. Isso é demonstrado nas duas primeiras estrofes do belo poema “Ensinamento” de Adélia Prado: “Minha mãe achava estudo / a coisa mais fina do mundo.” É fato que todos os pais querem que seus filhos estudem. Mas é fato também que a educação deve ser revista. Tudo começa pelo ciclo básico. Há um excesso de conteúdo. Será ele necessário? Ou será melhor diminuir para que todos aprendam menos coisas, mas de fato aprendam? Há também o problema de que muitos jovens querem e precisam trabalhar cedo. Não seria melhor haver mais cursos técnicos? Por que não há técnicos de construção civil, cabeleireiro, bombeiros, padeiros etc? Há tecnologias nessas áreas para serem aprendidas. Também melhorariam nossos serviços, qualificariam nossos trabalhadores, empregariam nossos jovens. Além disso, a maioria das universidades do país possui os mesmos velhos cursos. Estes deveriam se atualizar perante as mudanças da sociedade. E há inúmeras áreas necessitando de trabalhadores qualificados, mas não existem cursos para formação dos profissionais. Novos tempos, novas necessidades. Muitos cursos são voltados para a carreira acadêmica. Mas nem todas as pessoas têm vocação para isto. Essas carreiras deveriam ser direcionadas para aqueles que têm vocação, já que o mercado de trabalho não absorve todo contingente formado a cada ano. A solução, assim como já é claramente demonstrado pelos países que dominam o cenário mundial hoje, é a educação. E o grande desafio é justamente o de educar verdadeiramente, com outros propósitos além de ter estatísticas fajutas.

A sociedade passou por diferentes fases tecnológicas: a agrícola, a industrial e, agora, a da informação. O crescimento do conhecimento científico hoje é exponencial e se difunde por todo mundo pela facilidade e rapidez dos meios de comunicação. Esse excesso de informação gerou várias modificações, não só no desenvolvimento científico e tecnológico, mas também na dinâmica do ensino e do trabalho. Há novas e prementes exigências, como as questões ambiental e climática, que necessitam de esforços para o desenvolvimento de tecnologias de reciclagem, preservação ambiental e novas formas de obtenção de energia. Esse passou a ser um desafio mundial, que vive esbarrando em questões políticas e econômicas. Mas não podemos fugir dele já que a sobrevivência da humanidade depende disso. O excesso populacional e a escassez dos recursos naturais exigem soluções. Só o desenvolvimento tecnológico e científico poderá resolver estas questões. Mais do que ter, o importante hoje é saber. O conhecimento agora tem um valor inestimável. Qualquer nação que fugir desta verdade estará fadada a entrar em franca decadência, pois será engolida por aqueles que detêm a tecnologia.

Por Maíra Valle.

C&T e o desenvolvimento nacional: uma visão otimista

Vivemos os últimos anos da primeira década do século 21, um momento na história em que certamente é considerada óbvia e inquestionável a afirmação de que a ciência e a tecnologia são protagonistas do desenvolvimento das nações modernas. E justificadamente: o século passado foi prodigioso em exemplos que confirmam essa assertiva. Os últimos cento e poucos anos testemunharam um avanço tecnológico vertiginoso - impulsionado por algumas das mais profundas revoluções da história da ciência - que propiciou melhorias sem precedentes em virtualmente todos os aspectos da vida humana. O desenvolvimento da medicina e das técnicas de saneamento desencadeou uma diminuição acentuada dos números de mortalidade infantil e um aumento considerável na expectativa de vida. Os meios de transporte tornaram-se mais rápidos, seguros e confortáveis, facilitando inclusive a produção de bens de consumo e o comércio. As tecnologias da informação, fenômeno de desenvolvimento recente, revolucionaram a forma como produzimos e compartilhamos conhecimento, informação e arte. A construção de máquinas como o Grande Colisor de Hádrons e telescópios espaciais como o Hubble, Spitzer e Kepler, dá-nos a chance de saber um pouco mais sobre o infinitamente pequeno e o assustadoramente grande, abrindo possibilidades de interpretação filosófica do universo e da própria vida humana com as quais ainda só podemos sonhar. A lista é longa. Páginas e mais páginas poderiam ser preenchidas com exemplos similares que, no entanto, ainda não respondem satisfatoriamente à pergunta: que papel ciência e tecnologia (C&T) podem desempenhar no desenvolvimento nacional e, em especial, no desenvolvimento de um país com as peculiaridades sociais e econômicas do Brasil?

A resposta pode começar a surgir de um aparente dilema que vez ou outra aparece, especialmente nos meios de comunicação: o Brasil é um país com tantos problemas sociais graves que a destinação de recursos públicos para C&T pode configurar-se como supérfluo frente às necessidades mais prementes e imediatas da sociedade brasileira. Este dilema existe apenas na aparência, e por uma razão muito simples: ciência e tecnologia não apenas são essenciais para a resolução das contradições e desigualdades sociais a longo prazo, como podem mesmo preparar o país para solucionar imediatamente problemas inesperados que, do contrário, continuariam a existir e a contribuir para a estagnação do desenvolvimento. Exemplo claro disso é a atuação do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) na década de 1930.

Um dos efeitos da crise econômica mundial de 1929 no Brasil foi a quebra do setor cafeeiro, uma das locomotivas da economia nacional. Entrementes, a Seção de Algodão do IAC, criada em 1923, vinha realizando pesquisas para a adaptação de variedades do algodão trazidas dos Estados Unidos e, como narra o historiador da ciência Shozo Motoyama, “após quase dez anos de experimentação, esse programa conseguiu êxito em adaptar as variedades mais promissoras às condições climáticas da região Sul”. As pesquisas do IAC, alvo de interesse genuíno por parte de pesquisadores norte-americanos, foram centrais para a então surpreendente cotonicultura brasileira, responsável por salvar a economia paulista da estagnação.

Esse tipo de pesquisa, voltada para o desenvolvimento da agricultura, continua a desempenhar até hoje um papel importante no cenário brasileiro. A Embrapa Cerrados - braço da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, órgão do Ministério da Agricultura –, por exemplo, vem se dedicando com sucesso na obtenção de conhecimento e melhorias técnicas para a exploração agrícola dos cerrados brasileiros. Se os objetivos elencados no 4º plano diretor (vigente de 2008 a 2011) do órgão forem minimamente atingidos, estaremos diante de uma ótima contribuição da C&T para o desenvolvimento ambientalmente sustentável da agricultura brasileira, com atenção para a diminuição da desigualdade social nas regiões estudadas. Outro exemplo de pesquisa brasileira voltada para a agricultura visando resultados práticos não muito longínquos foi o sequenciamento do material genético da Xylella Fastidiosa, bactéria causadora da clorose variegada dos citrus, a “praga do amarelinho” que causa perdas de cem milhões de dólares anuais aos citricultores paulistas . Financiada pela Fapesp, a pesquisa ganhou especial atenção da comunidade científica internacional e das principais revistas científicas do mundo, inclusive ganhando capa e editorial da revista Nature. O trabalho abre possibilidades de acabar com a praga pela manipulação genética da bactéria.

Estes exemplos mostram, de maneira até bastante clara, a importância da C&T para o desenvolvimento do setor produtivo, com aplicabilidade mais ou menos no curto prazo e com resultados perceptíveis aos olhos do público. Trata-se de algumas das principais contribuições da C&T, pelo menos no que se refere a sua aplicação prática na resolução de problemas do presente, para o desenvolvimento nacional. Devo, no entanto, ressaltar que seria um erro satisfazer-se com uma visão meramente utilitarista da ciência. Sua importância não reside apenas naquilo que pode fazer por nós agora, em quantos milhões de dólares pode salvar hoje ou quantas pessoas alimentará amanhã. Porque pensar o contrário disso é desconsiderar a beleza e a importância do aspecto imaginativo da ciência. O desenvolvimento de um país não parte somente de sua produção material. Ciência e tecnologia devem servir, também, como instrumento da liberdade de pensamento e de imaginação das pessoas - é neste aspecto que a ciência se aproxima da arte, que contribui também, à sua maneira, para que um país se desenvolva nos mais variados sentidos da realidade.

Não se está defendendo aqui, contudo, a visão da C&T como panacéia do desenvolvimento nacional. Ciência e tecnologia são apenas alguns dos principais elementos – essenciais, é verdade – que podem levar ao desenvolvimento brasileiro. O papel desempenhado pela C&T depende também da conjuntura econômica, política e social; depende de como serão levadas a cabo políticas de educação, de redução das desigualdades sociais, de incentivo ao setor produtivo. Sociedade e ciência estão, neste sentido, numa intrincada relação de interdependência.

Além de estar longe de ser a panacéia que alguns otimistas podem imaginar, a ciência também pode ter suas responsabilidades nos próprios problemas que afligem o mundo e, por conseqüência, o Brasil. É flagrante, por exemplo, a importância da C&T na consolidação do processo da globalização, de cujas benesses em boa parte podemos desfrutar, ao preço de experimentarmos os silenciosos efeitos negativos da concentração de poder e riquezas pelos países desenvolvidos. Mais perceptível, ainda, é o seu papel na deterioração do meio-ambiente, no desenvolvimento da indústria bélica e suas máquinas de matar cada vez mais eficientes, no arsenal atômico das grandes potências.

Entretanto, se a ciência é responsável por encruzilhadas e becos sem saída, ela também pode servir de guia para retomarmos o rumo correto. Em outras palavras, a ciência, capaz de criar mazelas terríveis, é também a mais poderosa ferramenta de questionamento, desconstrução e resolução não apenas destes mesmos problemas mas de grande parte das questões mais importantes que nos aflige, hoje. Trata-se, portanto, de elemento essencial, conjuntamente com a tecnologia, no projeto de desenvolvimento pleno de um país como o Brasil.

Por Danilo Albergaria, historiador.

O papel da ciência e tecnologia no desenvolvimento nacional

Que cara teria o mundo sem a ciência e a tecnologia? O filme A Guerra do Fogo, de Jean-Jacques Arnaud, representa de forma ideal a polarização de dois grupos pré-históricos no alvorecer da razão e da tecnologia. De um lado, o culto ao fogo; de outro, o domínio da tecnologia do fogo. A linguagem do primeiro compreende sons vocálicos, em sua maioria gritos e grunhidos, utilizados como pura expressão de sentimentos. Já o segundo emprega uma linguagem mais complexa e articulada. Enquanto o primeiro busca a copa das árvores como abrigo noturno e proteção contra animais ferozes, o segundo utiliza o fogo para se defender, cozinhar, iluminar, criar e processar, o que lhe possibilita desenvolver hábitos e processos, transformar a realidade e formar elementos socioculturais. O domínio dessa tecnologia, o fogo, prenuncia então a necessidade de aperfeiçoar sua capacidade de comunicação para expressar e preservar conhecimentos mais complexos.

O interesse por compreender o mundo e seus fenômenos naturais data das culturas pré-científicas. Por trás desse fascínio há um processo criativo cuja meta maior é buscar e alcançar conhecimentos mais profundos, capazes de dar sentido à vida, de preservá-la e aprimorá-la. Como bem comprova o mito da caverna narrado por Platão em A República, uma das mais poderosas metáforas da filosofia, o conhecimento nos liberta da cegueira e do medo. Quando trancafiado em uma caverna escura, preso a grilhões, restrito a olhar somente para a frente e a permanecer estático, o máximo que o prisioneiro pode enxergar pela ínfima fresta de luz que se infiltra são sombras e imagens imperfeitas da realidade, e não as coisas em si. Mas há lá fora um mundo infinito, real e iluminado, cheio de coisas e seres reais. Na condição de prisioneiro dessa caverna escura, sem nada ter visto e sem nada ver além do que ali se passa, imagina o prisioneiro que a única luz possível é aquela e que apenas isso é lhe dado o direito de enxergar. O que poderia lhe ocorrer se fosse libertado? — indaga Platão. A princípio a luz ofuscaria sua visão; depois, ao se acostumar com ela, enxergaria mais nítida e progressivamente a realidade e, com o tempo, perceberia que antes só vislumbrava sombras. E o que aconteceria se voltasse à caverna e contasse aos demais prisioneiros o que vira? Perplexidade, rejeição e também adesão. Ao sair da caverna, ele consegue ver além de suas percepções sensoriais e enxergar a verdadeira realidade, dialogando com as ideias e as possibilidades do mundo. Liberto, portanto, o ex-prisioneiro se depara com a possibilidade de se influenciar e ser influenciado pelas ideias e coisas do mundo, de adquirir informações relevantes, de obter explicações, de explicar ou de compreender o porquê e formar opiniões a respeito das coisas.

Saber que não estamos totalmente condenados ao determinismo ou às condições ou circunstâncias em que nascemos ou vivemos e que as influências do ambiente são também fundamentais ao desenvolvimento é um alívio, guardadas as devidas proporções dessa afirmação, dada a controvérsia que incita. São nossas comichões que nos estimulam a sair da caverna mesmo quando tudo parece indicar que não há nada a buscar. Se isso se aplica ao ser humano enquanto indivíduo, estende-se de igual modo aos grupos, sociedades, cidades, países e, portanto, ao mundo. Só estaremos condenados a viver aprisionados a uma circunstância, ignorados ou ignorando, enquanto não houver no ambiente as condições propícias à aplicação de nossas capacidades de desenvolvimento cognitivo, sociocultural, científico e tecnológico.

Como afirma o neurologista Robert Burton, em seu livro On Being Certain, quando as pessoas assumem uma postura incontestável diante de crenças, convicções ou opiniões, isso pode prejudicá-las porque não raro esses pontos de vista são enganosos. Para Burton, embora a certeza que alimentamos em relação a convicções não comprovadas nos leve a desenvolver uma incisividade que nos faz agir de forma decisiva em momentos de crise, muitas vezes presumimos em demasia e nos metemos em apuros. Por isso, precisamos sair da caverna para ver com nossos próprios olhos o que de fato há no mundo. Dessa maneira, podemos formar um cabedal que nos permita andar com os próprios pés, pisando firme no concreto, e não apenas conjecturar.

Hoje já se fala em trabalhadores da informação e do conhecimento. Da era industrial, saltamos para a era do conhecimento, em que, apoiados por uma nova mentalidade e novas habilidades e instrumentos, somos capazes de liberar nosso potencial e buscar o desenvolvimento tanto em nível individual quanto social.

Tudo isso não seria possível sem a ciência e a tecnologia, uma via de mão dupla para o desenvolvimento, não apenas de uma nação, tomado em seu sentido de prosperidade econômico-financeira, mas também do indivíduo e do âmbito sociocultural, político e ambiental. Estar condenado à cegueira e prisão da caverna de Platão significa estar subjugado a um ambiente estático e escuro. Nessa condição, independentemente da entidade em questão, predominam o determinismo, a falta de desenvolvimento, a dependência, as influências unidirecionais, a pobreza econômica e cultural, dentre outros fatores.

A ciência e tecnologia pautadas pela ética são fundamentais ao desenvolvimento de qualquer nação, não há dúvida. Ainda que disponha de recursos naturais, a riqueza natural, por si só, não é suficiente para a expansão de uma sociedade. Não basta ter e extrair. É necessário processar e restituir. E para isso os meios são imprescindíveis. Prova disso são os países ricos em recursos naturais, mas pobres em recursos tecnológicos e/ou científicos e, portanto, pouco desenvolvidos.

O ambiente cultural não está dissociado do ambiente socioeconômico. Na verdade, ao que tudo indica, uma evolução paralela parece essencial. No primeiro, temos o setor educacional, a pesquisa (que se bifurca em aplicada/tecnológica e pura/teórica e experimental), a ciência, o conhecimento e a divulgação científica; no segundo, o setor produtivo, o desenvolvimento de produtos e serviços, a inovação, o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento humano. Podemos constatar, portanto, que esses dois ambientes caminham lado a lado e em grande medida são causa e efeito.

O país que privilegia a produção científica e a geração de tecnologia de ponta alcança posição de destaque, mas precisa investir em educação, pesquisa e desenvolvimento, formar recursos humanos, criar uma cultura científica na sociedade, ganhar independência tecnológica e promover o compartilhamento de conhecimentos, técnicas e processos.

Enquanto na pré-história o elemento responsável pela polarização era o fogo, como pudemos ver no início deste artigo, hoje o mundo contemporâneo é polarizado pelo conhecimento, pelo domínio científico e pela capacidade de inovação tecnológica. Para viabilizar esse desenvolvimento, é preciso sair da caverna. É justamente a desigualdade nesse domínio que enseja essa polarização e, por conseguinte, as relações de poder. A falta de conhecimento pode nos prejudicar, e provavelmente por isso alimentemos falsas convicções, ignorando que há um mundo lá fora maior e mais iluminado, factível a todos. Por trás do desenvolvimento de um país estão a ciência e a tecnologia, mas à frente de ambas os seres humanos e sua evolução. Se delas dependemos, também de nós elas dependem.

Por Beth Honorato, jornalista.

A ciência como parte do mundo e sua relação com a sociedade

Que a ciência é complexa ninguém duvida. E que existem poucos veículos de comunicação aptos para divulgá-la, também. No ano passado (2008), no ápice da discussão sobre a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, o noticiário foi tomado pelo tema. A decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) foi proferida em maio de 2008, tornando o Brasil o primeiro país da América Latina a permitir a pesquisa com este tipo de célula. A discussão gerou protestos, principalmente por parte da Igreja Católica. Certamente, se perguntássemos para alguns fiéis que saíam das missas sobre a posição destes acerca do tema pesquisas com células-tronco embrionárias, eles se diriam contrários à iniciativa. O que devemos pensar é bem simples: esta posição contrária foi tomada pela Igreja, que a repassou aos fiéis ou estes, embasados por informações qualificadas, julgam não ser correto o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas?

Os que se dizem contrários a estas iniciativas seriam capazes de relacioná-las ao avanço significativo no tratamento de pessoas portadoras de necessidades especiais e/ou com doenças degenerativas sem cura que afetam, ou podem afetar, parentes, amigos, colegas, conhecidos ou vizinhos?

Outra discussão levantada pela imprensa no ano passado foi sobre a experimentação animal. Após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Arouca que regulamenta o uso de animais em pesquisa, de autoria do sanitarista e ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Sérgio Arouca.

O tema é bem conhecido por ativistas e protetores dos animais, além da comunidade acadêmica. Muitos se dizem contra, embasados em um discurso superficial de que não se pode maltratar os animais. Estes que se dizem contra conseguiriam relacionar a pesquisa realizada por meio do uso de animais com o medicamento que trazem na bolsa ou em casa, de uso contínuo ou esporádico?

Não quero militar a favor das pesquisas, nem tampouco dizer que a ciência é a solução para todos os problemas do mundo. O que me preocupa, de fato, é a percepção da população quando se refere à ciência e à tecnologia. A falta de informação qualificada para relacionar aspectos cotidianos com as atividades - nem sempre conhecidas - desenvolvidas por pesquisadores nos institutos de pesquisa do nosso país, com verbas públicas.

A cada três anos, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) publica o livro Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo. A publicação tem um capítulo exclusivo sobre a percepção pública da ciência em São Paulo. A última edição, de 2005, em seu “modelo de déficit” da comunicação, mostra que o público é uma entidade passiva com falhas e conhecimentos e que, portanto, a informação científica flui a uma única direção, dos cientistas até o público. As pesquisas de percepção pública da ciência, quando feitas de forma periódica, tendem a ajudar na análise e evolução dos conceitos que envolvem a ciência e a tecnologia.

“É indiscutível a importância da ciência e da tecnologia no mundo moderno, bem como sua influência nos processos de transformações políticas das sociedades contemporâneas”. (Vogt; Polino, 2003). O profissional de comunicação, que por sua vez se ‘aventura’ a escrever sobre ciência e tecnologia, corre dois grandes riscos. Um é de se especializar demais e fazer com que sua matéria jornalística se torne artigo acadêmico. E outro é não se aprofundar e, neste caso, não dar ao leitor uma análise suficientemente ampla que lhe permita relacionar a questão com os aspectos cotidianos.

O jornalista, desde sua graduação, aprende que o princípio do bom jornalismo, o obriga a ouvir opiniões contrárias. No entanto, quando se trata de ciência inexistem opiniões divergentes, em muitas matérias. Como se o pesquisador fosse ‘a voz de Deus’ para os homens. A ciência e a tecnologia podem trazer grandes benefícios, mas existem os riscos e estes devem ser levantados pelos profissionais que cobrem a editoria ou são designados para escrever sobre o assunto.

A meu ver, outro equívoco dos jornalistas é dissociar a ciência, sobretudo a tecnologia, da política. As noções de ciência e tecnologia transmitidas pelos veículos de comunicação podem estabelecer no imaginário popular a idéia de ciência neutra.

O professor Fernando Tula Molina, da Universidade de Quilmes, na Argentina, defende que as novas descobertas não correspondem, necessariamente, a progressos para a sociedade. O discurso filosófico, próprio de sua formação acadêmica, destaca que, para que a questão chegue a um resultado satisfatório para todos, seria necessário priorizar a participação da coletividade neste processo. “Os investimentos públicos formam técnicos, especialistas e recursos humanos para a universidade e para o sistema tecnológico. Mas estas pessoas poderão desenvolver tecnologias que melhorem as corporações, não necessariamente o país” .

O objetivo principal deste artigo foi apontar que ainda existem falhas no sistema de comunicação no que diz respeito à divulgação científica. A capacitação do profissional para lidar com o tema, certamente vem beneficiar na missão de informar com qualidade, para que a população entenda o papel da ciência e o seu próprio papel neste processo. Minha preocupação real é que a ciência e a tecnologia não se tornem acessíveis apenas a uma determinada camada social com poder de consumo, mas algo, de fato, inclusivo e útil a sociedade.

Por Erica Guimarães, jornalista.