terça-feira, 24 de março de 2009

A ciência como parte do mundo e sua relação com a sociedade

Que a ciência é complexa ninguém duvida. E que existem poucos veículos de comunicação aptos para divulgá-la, também. No ano passado (2008), no ápice da discussão sobre a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, o noticiário foi tomado pelo tema. A decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) foi proferida em maio de 2008, tornando o Brasil o primeiro país da América Latina a permitir a pesquisa com este tipo de célula. A discussão gerou protestos, principalmente por parte da Igreja Católica. Certamente, se perguntássemos para alguns fiéis que saíam das missas sobre a posição destes acerca do tema pesquisas com células-tronco embrionárias, eles se diriam contrários à iniciativa. O que devemos pensar é bem simples: esta posição contrária foi tomada pela Igreja, que a repassou aos fiéis ou estes, embasados por informações qualificadas, julgam não ser correto o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas?

Os que se dizem contrários a estas iniciativas seriam capazes de relacioná-las ao avanço significativo no tratamento de pessoas portadoras de necessidades especiais e/ou com doenças degenerativas sem cura que afetam, ou podem afetar, parentes, amigos, colegas, conhecidos ou vizinhos?

Outra discussão levantada pela imprensa no ano passado foi sobre a experimentação animal. Após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Arouca que regulamenta o uso de animais em pesquisa, de autoria do sanitarista e ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Sérgio Arouca.

O tema é bem conhecido por ativistas e protetores dos animais, além da comunidade acadêmica. Muitos se dizem contra, embasados em um discurso superficial de que não se pode maltratar os animais. Estes que se dizem contra conseguiriam relacionar a pesquisa realizada por meio do uso de animais com o medicamento que trazem na bolsa ou em casa, de uso contínuo ou esporádico?

Não quero militar a favor das pesquisas, nem tampouco dizer que a ciência é a solução para todos os problemas do mundo. O que me preocupa, de fato, é a percepção da população quando se refere à ciência e à tecnologia. A falta de informação qualificada para relacionar aspectos cotidianos com as atividades - nem sempre conhecidas - desenvolvidas por pesquisadores nos institutos de pesquisa do nosso país, com verbas públicas.

A cada três anos, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) publica o livro Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo. A publicação tem um capítulo exclusivo sobre a percepção pública da ciência em São Paulo. A última edição, de 2005, em seu “modelo de déficit” da comunicação, mostra que o público é uma entidade passiva com falhas e conhecimentos e que, portanto, a informação científica flui a uma única direção, dos cientistas até o público. As pesquisas de percepção pública da ciência, quando feitas de forma periódica, tendem a ajudar na análise e evolução dos conceitos que envolvem a ciência e a tecnologia.

“É indiscutível a importância da ciência e da tecnologia no mundo moderno, bem como sua influência nos processos de transformações políticas das sociedades contemporâneas”. (Vogt; Polino, 2003). O profissional de comunicação, que por sua vez se ‘aventura’ a escrever sobre ciência e tecnologia, corre dois grandes riscos. Um é de se especializar demais e fazer com que sua matéria jornalística se torne artigo acadêmico. E outro é não se aprofundar e, neste caso, não dar ao leitor uma análise suficientemente ampla que lhe permita relacionar a questão com os aspectos cotidianos.

O jornalista, desde sua graduação, aprende que o princípio do bom jornalismo, o obriga a ouvir opiniões contrárias. No entanto, quando se trata de ciência inexistem opiniões divergentes, em muitas matérias. Como se o pesquisador fosse ‘a voz de Deus’ para os homens. A ciência e a tecnologia podem trazer grandes benefícios, mas existem os riscos e estes devem ser levantados pelos profissionais que cobrem a editoria ou são designados para escrever sobre o assunto.

A meu ver, outro equívoco dos jornalistas é dissociar a ciência, sobretudo a tecnologia, da política. As noções de ciência e tecnologia transmitidas pelos veículos de comunicação podem estabelecer no imaginário popular a idéia de ciência neutra.

O professor Fernando Tula Molina, da Universidade de Quilmes, na Argentina, defende que as novas descobertas não correspondem, necessariamente, a progressos para a sociedade. O discurso filosófico, próprio de sua formação acadêmica, destaca que, para que a questão chegue a um resultado satisfatório para todos, seria necessário priorizar a participação da coletividade neste processo. “Os investimentos públicos formam técnicos, especialistas e recursos humanos para a universidade e para o sistema tecnológico. Mas estas pessoas poderão desenvolver tecnologias que melhorem as corporações, não necessariamente o país” .

O objetivo principal deste artigo foi apontar que ainda existem falhas no sistema de comunicação no que diz respeito à divulgação científica. A capacitação do profissional para lidar com o tema, certamente vem beneficiar na missão de informar com qualidade, para que a população entenda o papel da ciência e o seu próprio papel neste processo. Minha preocupação real é que a ciência e a tecnologia não se tornem acessíveis apenas a uma determinada camada social com poder de consumo, mas algo, de fato, inclusivo e útil a sociedade.

Por Erica Guimarães, jornalista.

Um comentário:

Paulo - Bio disse...

Erica,
achei a idéia de postar nossos textos excelente.
Como posso postar o meu?

Paulo Cunha
xptocunha@gmail.com