quarta-feira, 25 de março de 2009

O encontro de dois amigos brasileiros

Faziam mais de cinco anos que os dois não se encontravam. Amigos de infância, a dupla escolhera caminhos diferentes para suas vidas: um acabara de retornar do Estados Unidos, onde concluiu sua pós graduação; o outro havia se formado em uma universidade pública de São Paulo e era especialista em plantas medicinais da Amazônia. Atualmente participava de um projeto em parceria com pesquisadores da Europa.

Vamos lá, conte-me o que têm feito? - perguntou o biólogo questionador.

Acabei de retornar dos EUA, onde fiz minha pós graduação. E não vejo a hora de pode voltar para lá de novo. Aquilo sim é que país: uma potência mundial, muita riqueza, emprego, desenvolvimento. - respondeu o engenheiro – E você, como anda?

Eu me formei ano passado em Biologia e estou trabalhando em parceria com pesquisadores ingleses. Em virtude das dificuldades em conseguir financiamento para minhas pesquisas no Brasil, resolvi procurar recursos estrangeiros. - Lá sim eles investem em ciência. É onde se produz conhecimento - explicou.

E é por isso que são países desenvolvidos. Nos EUA também é assim – comentou o amigo, quase americanizado. Ele retirou uma caneta do bolso, com a qual rabiscou no guardanapo – eles pensam no ciclo em que, se você investe em pesquisa, você produz conhecimento, que produz tecnologia, que melhora a qualidade de vida das pessoas.

O brasileiro, no entanto, não compreendeu qual a relação de ciência e tecnologia com a qualidade de vida das pessoas.

Como assim? O que uma coisa tem haver com a outra? - questionou.

Nesses países as políticas públicas estão diretamente relacionados aos setores do conhecimento, auxiliando nas tomadas de decisão em benefício da maioria da população - explicou o gringo brasileiro.

O amigo tupiniquim, empolgado com a conversa, perguntou:

Então é verdade que o país que investe muito em pesquisa e tecnologia é mais desenvolvido?
Com certeza. Basta ver os EUA: país desenvolvido e que tem a maior produção de artigos científicos do mundo. É uma relação direta - revelou o recém chegado dos EUA, citando a frase de Oswaldo Cruz: “Meditai se só as nações fortes podem fazer ciência, ou se é a ciência que as faz fortes”.

O especialista em plantas, no entanto, tinha uma grande dificuldade em aceitar o esquema das publicações. No passado havia sofrido fortes pressões para que publicasse vários artigos, mesmo não tendo resultados importantes.

Nem me fale nessa história de quantidade de publicações. O que importa hoje em dia é publicar, publicar. Quanto mais melhor. Não é quanto melhor, melhor.

Fazer o quê? Infelizmente essa é a lei imposta. O mais importante é cada um fazer sua parte - ponderou o amigo.

Sem contar nas pesquisas financiadas por instituições privadas, que exigem resultados práticos, rápidos e não dividem nem um pouco do lucro que conseguem com nossos resultados –comentou bravamente - Veja a empresa que eu trabalho: estamos descobrindo uma substância de uma planta amazônica que poderá curar diversas doenças. E os donos já estão buscando meios de driblar as leis e privar todos dos benefícios, fazendo com que até mesmo os brasileiros paguem pelo remédio - desabafou o brasileirinho.

Seria tão bom se o Brasil investisse em pesquisas que beneficiassem a sociedade!!! - sonhou alto o engenheiro – eu até retornaria para cá.

Mas o Brasil está melhorando nesse aspecto né? - disse, referindo-se à conquista do 15 lugar no ranking mundial de produção científica e aos investimentos previstos na recém-criada Política Nacional de ciência, tecnologia e inovação.

Logo logo seremos desenvolvidos!!! - exclamou ironicamente o “estrangeiro”.

Será? Acho que o que é desenvolvimento para um, pode não ser para outro. O Brasil tem sua própria história, não dá pra comparar com outros países. Têm suas demandas. Não pode ficar se espelhando nos chamados países desenvolvidos - comentou o saudosista brasileiro.

Isso é verdade, concordou o amigo. Basta ver o que eles fizeram com suas florestas, seus recursos naturais. Acabaram com tudo – referindo-se aos países do primeiro mundo.

Pois é, e hoje enviam dinheiro para os países do terceiro mundo preservar o que ainda resta, enquanto poluem à vontade – indignou-se o botânico.

Por isso eu acho: não há porque ficar chateado pois não somos desenvolvidos – comentou - Esse é o destino do Brasil – conformou-se o gringo brasileiro.

Eu discordo, acho que devemos ficar orgulhosos de não sermos igual à esses países.

Deveríamos construir uma nova concepção de desenvolvimento – retrucou rapidamente o amigo.
E você acha isso fácil? - perguntou o pós graduado, formado nos EUA.

Fácil não é. Mas talvez esse seja o papel da ciência e da tecnologia brasileira: descobrir alternativas ao desenvolvimento que existe nos países do primeiro mundo. Não copiá-lo.

Pois esse desenvolvimento é o mesmo que extermina suas bases de sustentação – afirmou o amigo patriota.

Hã? Não entendi.

Pois é. Você não disse que os EUA são desenvolvidos pois tem muita riqueza? E de onde vem essa riqueza? Pra ter riqueza eles exploram alguém e/ou alguma coisa. E isso nunca tem fim.

É, acho que agora entendi o que você quis dizer.

Eu quis dizer que o desenvolvimento buscado e alcançado pela ciência e tecnologia deve ser baseado no respeito ao meio ambiente, à biodiversidade, à vida e às culturas locais. Pois só assim teremos um Brasil livre e dono do seu destino.

Chega de papo furado, já sonhamos demais. Vamos pagar a conta? - sugeriu o brasileiro americanizado, encerando a conversa pois já estava com dor de cabeça de tanto pensar no assunto.

Por Felipe Augusto Zanusso Souza.

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